Ontem, a escola da minha filha
de 9 anos nos informou que ela não conseguiu atingir as mesmas competências dos
colegas.
Assim, apesar de transitá-la para o segundo ano, ela continuará com os
livros do primeiro. Isso quer dizer que, no segundo ano:
- Ela verá o conteúdo da turma
para o segundo ano enquanto ela vê o mais atrasado;
- Sairá de sala de aula para o
acompanhamento especial, para a fonoterapia e, talvez, terapia ocupacional.
Enquanto está neste atendimento, o restante da turma recebe novos conteúdos.
Não sou pedagogo, mas penso que
mesmo com a professora particular acompanhando-a, dificilmente ela conseguirá
chegar ao nível da turma.
Você passou por situação
semelhante? O que podemos fazer para minimizar o impacto da diferença e
ajudá-la no aprendizado?
Uma coisa que eu não consigo
entender. Minha filha é muito antenada, entende tudo a sua volta, tem o pensamento
rápido, mais até do que os irmãos, mas não consegue assimilar os conteúdos da
escola. Será que o conteúdo deve ser dado de uma forma diferente?
Ela possui as manchas no
cérebro. Segundo minha esposa, estas manchas são na área do aprendizado, pode
ser isso mesmo? BPC, do Rio de Janeiro.
Resposta.
Sim, passei por situação
semelhante à sua e creio que as dificuldades de aprendizado na NF1 afetam
profundamente inúmeras famílias neste momento. Minha filha com NF1 já está com
36 anos, conseguiu se formar em Fisioterapia e leva uma vida praticamente
normal. No entanto, como em grande parte das crianças com NF1, seu processo de
aprendizado se deu de forma mais lenta do que para os demais colegas e algumas
habilidades específicas ainda não foram alcançadas por ela, como a habilitação
para dirigir automóveis.
Por causa das suas dificuldades,
especialmente de memória, - e a capacidade de guardar informações é muito cobrada nos sistemas atuais de
ensino, - ela repetiu algumas séries, o que acabou por forçá-la a completar o
ensino de forma supletiva. Na faculdade (particular) ela continuou com as
dificuldades de memória, necessitando de mais tempo do que os (as) colegas para
adquirir o conhecimento médio de sua turma.
Então, a segunda questão que
você levanta é se o conteúdo poderia ser ensinado de forma diferente. Também
não sou pedagogo, mas tenho a impressão que a socialização deveria ser a maior
tarefa da escola, ou seja, preparar as novas pessoas para viverem em sociedade,
cuidando dos lações afetivos e das relações sociais.
No entanto, a ideologia da
escolarização é formar indivíduos produtivos para o mercado de trabalho. Assim,
não só para as crianças com NF1, a maneira de ensinar na maioria das escolas é produtivista,
pouco interessante, desconectada da vida social real, excessivamente formal e
muito baseada na memória, além de estimular de forma doentia a competição, a
qual leva a comportamentos individualistas. Veja as crianças japonesas, tão
tristes em seu produtivismo, educadas para se matarem de trabalhar e que são
modelo para muitos países, inclusive o Brasil.
Minha opinião é de que sim,
precisamos lutar por conteúdos escolares diferentes dos atuais, que deveriam
ser voltados para o desenvolvimento dos afetos, da socialização, da inclusão de
todos e do espírito comunitário e solidário. Menos campeões e mais corações. É
difícil? Sim, mas saber que as falhas não estão na sua filha, mas no sistema
educacional que a exclui como pessoa, impedindo-a de realizar seu potencial
humano.
Concordo com você que os
cuidados complementares que sua filha recebe retiram dela uma parte do tempo
que poderia ser destinado aos chamados conteúdos escolares. Mas o efeito
principal, a meu ver, é que estas atividades terapêuticas a afastam ainda mais
da socialização com os colegas e criam uma situação especial, a qual pode,
inclusive, ser fonte de discriminação e maus tratos. Portanto, devemos indicar
atividades terapêuticas, que sejam cientificamente comprovadas como eficazes na
NF1, apenas para os horários fora do período escolar.
Finalmente, sobre as manchas no
cérebro, que, provavelmente devem ser hiperintensidades encontradas na
ressonância magnética do encéfalo, geralmente decorrentes de pequenos
hamartomas inofensivos. Houve uma época em que se suspeitou que estas manchas
estariam relacionadas com as dificuldades de aprendizado, mas depois isto não
foi comprovado.
Em conclusão, creio que nosso papel, como pais, deva ser a
criação de entidades civis de defesa das pessoas com NF e a partir destas
associações promovermos mudanças nas estruturas de ensino, tornando-as mais
inclusivas, ou seja, menos competitivas e mais amorosas.
Marcadores: abordagem psicossocial, dificuldades de aprendizado, neurofibromatose do tipo 1