Pergunta 247 – Esportes, carreira militar e NF1


Apresento hoje duas perguntas que trazem uma questão em comum: a capacidade física das pessoas com Neurofibromatose do Tipo 1.



“Tenho NF1, estou com 17 anos e gostaria de saber se ela me impede de seguir carreira militar. Não tenho má formação nos ossos, mas a única coisa que identifica a NF1 são manchas pelo corpo de diferentes tamanhos, cor café com leite e outras mais escuras. ” DHS, de local não identificado.

“Meu filho de 12 anos tem NF1 e eu gostaria de saber se ele praticar esportes poderia melhorar sua timidez”. MJRZ, de São Paulo.

Cara M e caro D, obrigado pela sua participação neste blog.

Vamos partir de alguns conhecimentos já observados: as pessoas com NF1 têm menos força muscular e menor capacidade aeróbica, ou seja, elas apresentam uma desvantagem para a prática de atividades físicas em relação as demais pessoas sem a doença (clique para ver artigos sobre força e sobre capacidade aeróbica ).

Assim, tanto nas atividades militares como nas esportivas podemos esperar menor desempenho físico por parte das pessoas com NF1, o que pode ser um fator limitante para sua adequação e bem-estar nestas atividades. De fato, na minha experiência clínica não encontrei ainda uma pessoa com NF1 que tenha alcançado destaque em qualquer esporte.

Portanto, considerando que os esportes e a carreira militar selecionam as pessoas por sua capacidade física (entre outras habilidades), há grande probabilidade de que pessoas com NF1 sejam mais excluídas no processo de seleção para participar destas atividades.

Outra característica comum entre as pessoas com NF1 é a timidez, ou seja, certo retraimento social, decorrente de sua dificuldade de perceber indicadores sociais, de lentidão para interagir nos grupos, pouca habilidade de lidar com a ironia e brincadeiras, além de agressividade descontrolada quando contrariadas.

Este comportamento alterado nas pessoas com NF1 provavelmente também dificulta a sua inserção nos esportes, pois o ambiente competitivo requer rapidez nas respostas motoras e intelectuais, assim como capacidade de interagir em grupo e canalizar a agressividade para os objetivos do jogo.

Será que a prática de atividades físicas regulares poderia alterar este comportamento alterado e comum nas pessoas com NF1? Não conheço um estudo que tenha pesquisado esta possibilidade e, aliás, esta é uma ideia que poderia ser testada com métodos científicos.

No entanto, devemos pensar de forma diferente os esportes (ou seja, as COMPETIÇÕES) de outras atividades físicas, como brincadeiras, jogar bola, caminhadas, andar de bicicleta, e outras práticas nas quais NÃO HÁ COMPETIÇÃO.

Ambas as atividades, as lúdicas, ou seja, apenas por diversão, e as atividades competitivas, fazem parte de nossa natureza humana, como processos necessários ao nosso desenvolvimento cognitivo e social. No entanto, nos últimos cem anos, o esporte vem se tornando cada vez mais um grande negócio financeiro mundial (ver a máquina empresarial por trás das Olimpíadas neste momento) e um instrumento de propaganda da sociedade capitalista, transmitindo a ideia de que competir é um bem em si.

Hoje, milhões de pessoas sedentárias participam eletronicamente das atividades realizadas por um minúsculo grupo de atletas, que se tornam milionários anunciando os produtos que os espectadores consomem junto com a ideia de que competir é fundamental.

Antes de trabalhar com as neurofibromatoses, fui médico especialista em medicina esportiva e avaliei centenas de atletas de alto nível. Ao longo dos anos, fui me dando conta de que esporte não é sinônimo de saúde, mas o seu contrário: uma mistura de obsessão pelo desempenho, de narcisismo doentio, de individualismo e de lesões esportivas. Além de muita propaganda ideológica e imensos interesses financeiros, é claro.

Portanto, minha hipótese é de que realizar atividades lúdicas, prazerosas, coletivas e sem finalidade competitiva ao longo da vida poderia fazer bem às pessoas com NF1. Espero, um dia, poder testar cientificamente esta ideia.

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